
Postado dia 17/03/25 | 11min. de leitura
São Francisco do Paraguaçu: saiba mais desse lugar incrível
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Às margens da histórica Baía do Iguape, do lagamar de beleza estupenda formado pelo também histórico Rio Paraguaçu, está São Francisco do Paraguaçu, um dos mais emblemáticos povoados da zona rural de Cachoeira, e por que não dizer de todo o Recôncavo Baiano?
São Francisco do Paraguaçu possui características únicas, que envolvem alguns dos monumentos históricos mais imponentes e misteriosos da Bahia, cultura genuína e belezas naturais dignas de produções cinematográficas. Neste lugar único, a simplicidade também encanta, especialmente a do seu povo, pessoas de sorriso fácil e boa prosa.

A comunidade quilombola de São Francisco do Paraguaçu possui tradições e costumes que se mantêm preservados e presentes em cada casa, em cada ruela e nos sabores genuínos da sua peculiar comida baiana.
Mas também no jeito único de tocar pandeiro e outros instrumentos de percussão, fazendo aquele samba de roda literalmente endêmico do Recôncavo, musicalidade esta que deu origem à mais brasileira das músicas, o samba!
Por tudo isso, espero que você, leitor, mergulhe nas próximas linhas e descubra um dos destinos mais intocados da cultura baiana, ainda muito pouco explorado pelo turismo brasileiro. Com vocês… São Francisco do Paraguaçu!
Por Márcio Vasconcelos de O. Torres
Historiador e viajante - marciotorresbb@gmail.com
São Francisco do Paraguaçu e sua origem
Nos primórdios da colonização portuguesa, o Rio Paraguaçu foi como uma estrada a terras férteis de massapê que tanto produziram a cana-de-açúcar ao longo de quase 4 séculos. Dela extraíram o ouro branco, que trouxe consigo destruição, escravização e terror às terras indígenas.

Após o grande genocídio indígena imposto por Mem de Sá, ocorreu a expansão do povoamento português, sendo todas as terras do Recôncavo distribuídas em forma de sesmarias.
No início do séc. XVII, alguns engenhos de açúcar já se faziam presentes, tendo como zona matricial o Lagamar do Iguape. Um dos mais antigos deles foi construído em 1640, trata-se do Engenho Nossa Senhora da Peña. Segundo Gabriel Soares de Sousa, senhor de engenho e cronista do séc. XVI, tal propriedade já existia em 1584, com a presença da casa do seu proprietário Antônio Penedo.
O Engenho Velho, como ficou conhecido o Engenho de Nossa Senhora da Peña, estava localizado exatamente nas terras onde hoje está situado o Povoado de São Francisco do Paraguaçu.
Como testemunha material deste engenho, a Capela de Nossa Senhora da Peña ainda encontra-se de pé, brotando da mata como uma magnânima e misteriosa ruína maia e emocionando aos que chegam até ela navegando pela borda esquerda do Rio Paraguaçu, a caminho da Baía de Todos os Santos.
Segundo o prof. Luiz Cláudio Nascimento, outros engenhos importantes estavam situados na região do Iguape nesse mesmo período.

Podemos citar como exemplo o Engenho de Nossa Senhora da Ponte, fundado em 1695; o Engenho São Domingos da Ponta das Garças, de 1697; o de São José do Imbiara, de 1690; o São João de Acutinga, de 1740; o de Nossa Senhora do Guadalupe de Campinas, de 1740, dentre outros.
Na maioria deles, ainda se encontram de pé as capelas que compunham tais propriedades senhoriais, símbolos de poder e de uma cristandade escravista.
Conforme Stuart Schwartz, o alicerce em que se assentou a colônia brasileira foi o relacionamento entre senhores e escravos, estes primeiramente indígenas e posteriormente africanos.
Para tanto, compreender a natureza da produção açucareira é entender as necessidades e os desejos dos que controlavam a propriedade, a terra e os escravizados. A indústria açucareira modelou a política e a economia, criando o contexto da vida baiana que reverbera na profunda desigualdade social dos dias atuais.
Símbolo de grande riqueza gerada na região, o Convento Santo Antônio do Paraguaçu foi construído a partir de 1649.
Nele funcionou um dos mais importantes noviciados franciscanos do Brasil e o pequeno hospital de N. S. de Belém do Paraguaçu, que atendeu dentre tantos doentes, a epidemia da “peste da bicha”.

Tal doença, que é conhecida atualmente como febre-amarela, ceifou a vida de muita gente, não escolhendo cor nem classe social.
As ruínas do imponente complexo arquitetônico estão situadas literalmente dentro do povoado de São Francisco do Paraguaçu e de maneira magnífica, às margens do rio que lhe cedeu seu último nome.
Os dois monumentos históricos estabelecidos em suas terras atualmente, tanto a Igreja de N. S. da Peña, como o Convento Santo Antônio do Paraguaçu, remontam às origens da comunidade aqui apresentada.
Isto porque que seus habitantes são descendentes diretos dos escravizados que trabalhavam nos canaviais, nos engenhos da região do Iguape e também na construção do convento.
Tais escravizados eram aquilombados da região que passaram a se concentrar próximos aos antigos engenhos do Rio Paraguaçu, então abandonados após a decadência do açúcar.

Assim sendo, São Francisco do Paraguaçu se constitui como comunidade quilombola na propriedade onde funcionou o Engenho Velho, ou Engenho de Nossa Senhora da Peña.
Atualmente, a comunidade foi certificada como de "reminiscência histórica de antigo quilombo", pela Fundação Cultural Palmares no ano de 2005. Mas ainda hoje aguarda pela titulação das suas terras, uma luta há muito esperada pelas famílias que lá vivem da agricultura de subsistência, da pesca e do extrativismo.
Fecho este tópico com palavras de Antônio Gonçalves Garcia, filho de São Francisco do Paraguaçu, guardião do Convento Santo Antônio do Paraguaçu e guia que desenvolve um belo trabalho com turistas no interior deste formidável monumento:
“Estamos aqui e queremos que nossa história e cultura sejam lembradas. Estamos correndo o risco de sermos esquecidos”.
Cito-lhe para que nunca o sejam!
O que fazer em São Francisco do Paraguaçu: 6 atrações imperdíveis!
Como foi dito na introdução deste artigo, São Francisco do Paraguaçu oferece atrações históricas, culturais e naturais, ou seja, é um dos lugares mais incríveis da Bahia para quem busca o ecoturismo e o turismo de experiências.
Respirar o ar deste lugar é renovar o espírito, aprender sobre o modo de viver de um povo resistente e resiliente, reconstruindo, construindo ou renovando muitos valores que andam esquecidos na sociedade contemporânea.
1. Convento e Igreja de Santo Antônio do Paraguaçu

O complexo arquitetônico do Convento de Santo Antônio do Paraguaçu impressiona qualquer visitante, até mesmo os viajantes mais exigentes que andaram pelas bandas da Cordilheira dos Andes e visitaram sítios históricos como Machu Picchu.
A começar pela forma como foi construído, sobre uma grande amurada de pedras mergulhada nas águas do Rio Paraguaçu, onde funcionava o cais que recebia embarcações.
Para cada lado que se olha, é possível visualizar símbolos misteriosos utilizados na ordem franciscana, tendo ao centro grandes degraus que antecedem a imponente igreja cujo frontispício impressiona, além de um amplo pátio murado e uma varanda debruçada sobre as águas do Rio Paraguaçu.
O convento se encontra ao lado da igreja e mais se parece com uma grande caixa retangular, cujos muros gigantes finalizam literalmente nas águas do Paraguaçu. Possui dois pavimentos e seu subsolo adentra literalmente no Lagamar do Iguape.

O ponto mais alto do convento é o local onde existia uma varanda com vista esplêndida do rio, que segundo o frei Jaboatão dos Guararapes, era o melhor divertimento que havia para os religiosos que lá viviam em regime de internato.
Caminhar pelas ruínas deste monumento fantástico ganham outra vida quando guiado pelo Seu Antônio, citado no tópico anterior deste artigo. Ele publicou um livro sobre a história da sua comunidade e também do convento, com pesquisas bibliográficas e impressões suas sobre o que observou ao longo de toda a vida no interior das ruínas do convento e da igreja.
Estar com ele neste lugar é uma grande oportunidade de ouvir o clamor do seu povo, que ainda luta por direitos e dignidade!
2. Igreja de N. Sra. da Peña

A igreja ou capela de N. Sra. da Peña, também conhecida por N. Sra. da Penha, é um monumento espetacular. Por ainda estar em área privada, só é possível vê-la por fora e navegando.
Trata-se de um tesouro arquitetônico singelo e genuíno. Sua construção foi iniciada em 1640 e concluída em 1660, quando pertenceu ao padre Pedro Garcia de Araújo.
Já idoso, o dito padre a doou para o Convento de Santo Antônio do Paraguaçu.
A capela compunha o mais antigo engenho de açúcar do Iguape, conhecido como Engenho Velho, e possui profunda conexão com a formação da comunidade quilombola de São Francisco do Paraguaçu, como já foi dito.
3. Prainha de São Francisco do Paraguaçu

A prainha é bela, oferece um dos melhores banhos do Rio Paraguaçu e está ao lado do convento. De lá é possível assistir ao mais belo pôr do sol do Recôncavo Baiano, que de maneira mágica, doura as águas do Paraguaçu numa espécie de espelho sobrenatural.
Vale destacar que em frente à prainha funciona o Restaurante Pôr do Sol de Aline, que serve deliciosas iguarias da culinária baiana, a exemplo de moquecas de aratu, camarão e mariscadas produzidos na força do azeite de dendê!
Passar um dia neste lugar proporciona visitação ao convento, banho nas águas do Paraguaçu, degustação da gastronomia baiana e o deleite de observar ao pôr do sol, um programa simplesmente inesquecível para toda a família!
4. Passeio de barco pelo Rio Paraguaçu e seus monumentos históricos
O passeio é guiado por Meeno da ROTUPA (Roteiro Turístico do Paraguaçu), filho de Seu Antônio Garcia, mencionado anteriormente.

A navegação se dá em uma pequena embarcação a motor, que singra as águas negras do Rio Paraguaçu, visitando paisagens belíssimas e descortinando monumentos históricos incríveis, como a Capela de Nossa Senhora da Peña e o Convento Santo Antônio do Paraguaçu.
O passeio ainda visita outros monumentos mais distantes, como o extraordinário Forte Santa Cruz de Salamina, as ruínas do Engenho Novo e a linda Ilha dos Franceses. Este último ficou conhecido por este nome em razão de ser ponto de parada dos franceses que negociavam pau-brasil com os tupinambás, nos primeiros anos do séc. XVI.
A parada para banho acontece em uma prainha paradisíaca e deserta da Ilha dos Franceses, um lugar recheado pela Mata Atlântica e coqueirais centenários.
5. Trilha para três cachoeiras
Os arredores de São Francisco do Paraguaçu ainda oferecem belas trilhas para os amantes do ecoturismo. E o grande destaque são as 3 cachoeiras acessadas em um único dia, a do Boqueirão, a do Descanso e a do Rio dos Pilão.
As trilhas também são guiadas por Meeno, que apresenta os encantos naturais em meio a explicações históricas e culturais da região. Uma verdadeira aula para os amantes do turismo de experiência!
6. Roteiro guiado na comunidade quilombola de São Francisco do Paraguaçu
Mais um roteiro guiado por Meeno da ROTUPA. Dessa vez, percorrendo as veredas da própria comunidade quilombola de São Francisco do Paraguaçu, da qual é filho legítimo.
Trata-se de um primoroso passeio cultural, que inclui:
visitação guiada pelo Seu Antônio ao Convento Santo Antônio do Paraguaçu,
momento especial na sede da Associação dos Remanescentes do Quilombo São Francisco do Paraguaçu-Boqueirão, conhecendo um pouco sobre as lutas da comunidade;
visitação a casas de farinha artesanal;
banho na bica da comunidade.
Bibliografia
AZEVEDO, Paulo Ormindo de. IPAC-BA - Inventário de proteção do acervo cultural: monumentos e sítios do Recôncavo, II parte. Salvador: Secretaria da Indústria e Comércio da Bahia, 1982.
FONSECA, F.L. da. Santo Antônio do Paraguaçu. Salvador: Publicações do Museu do Recôncavo Wanderley Pinho, 1973.
GARCIA, Antônio Gonçalves. São Francisco do Paraguaçu: história e cultura de um povo esquecido. Salvador: Vento Leste, 2018.
JABOATÃO, A. de S.M. Novo orbe seráfico brasílico, ou chronica dos frades menores da província do Brasil. Rio de Janeiro, 1858.

NASCIMENTO, Luiz Cláudio. Povoamento e Formação Social de Cachoeira. Cachoeira: Produção independente, 2019.
SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550/1835. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
Onde se hospedar em São Francisco do Paraguaçu
A comunidade quilombola de São Francisco do Paraguaçu é simples e não dispõe de pousadas ou hospedagens afins. Mas é possível alugar uma casa mobiliada e posicionada em frente à prainha. Sua varanda é especial, descortinando o maravilhoso pôr do sol do Paraguaçu.
Vale citar que ela também está posicionada ao lado do Convento Santo Antônio do Paraguaçu, uma oportunidade de se conectar profundamente com o monumento e se permitir visitas mais longas ao mesmo. A casa é administrada por Aline, proprietária do Restaurante Pôr do Sol, que costuma alugá-la por temporada ou mesmo por diárias.
Outra boa opção é a Casa do Raimundo, também mobiliada e com capacidade para receber até 6 pessoas. A casa é administrada pelo guia Meeno da ROTUPA.
Onde comer em São Francisco do Paraguaçu

Além do já citado Restaurante Pôr do Sol, há o Restaurante do Amor, que também está posicionado em frente ao rio.
Para quem busca uma experiência gastronômica no interior da comunidade, há o Restaurante Garcia, administrado por Léia, irmã de Meeno e filha do seu Antônio, e o Recanto Familiar, administrado por Marilene, sogra de Meeno. Outra ótima opção é o excelente Restaurante do Quilombo, liderado por Dona Kellen e que fica no centro da vila.
Todos eles são maravilhosos, oferecem cardápios repletos de mariscos e pescados frescos oriundos do próprio Paraguaçu. Tudo isso regado pelos saborosos azeite de dendê e leite de coco.
Tais estabelecimentos também são uma oportunidade de conhecer mais intimamente a cultura preservada da comunidade, e algumas das suas heranças indígenas e africanas.
Qual a melhor época para viajar até São Francisco do Paraguaçu
Apesar de São Francisco do Paraguaçu estar situada no interior do estado da Bahia, a comunidade é muito próxima da Baía de Todos os Santos, possuindo clima semelhante ao do litoral. Assim sendo, o melhor período do ano para visitá-la é entre os meses de outubro e março, quando as estações ensolaradas se manifestam.
Todavia, é possível encontrar períodos de sol entre os meses de abril e setembro, especialmente após grandes frentes frias.
Como chegar em São Francisco do Paraguaçu
São Francisco do Paraguaçu está a 116 quilômetros de Salvador e 44 quilômetros de Cachoeira, a sua cidade sede. Para ir até lá de carro, a partir de Salvador, é preciso seguir pelas rodovias BR-420 e BR-324, cortando por dentro e sem passar por Cachoeira.
Para quem deseja ir de ônibus, a empresa Cidade Sol dispõe de ônibus que saem diariamente de hora em hora da Rodoviária de Salvador, a partir entre 05:20 e 19:30, para uma viagem de aproximadamente 02:15. Já em Cachoeira, é preciso contratar um táxi ou carro de aplicativo para chegar até São Francisco do Paraguaçu.
Porém, a maneira mais confortável de viajar até lá é contratando um transfer climatizado a partir do hotel onde estiver hospedado em Salvador, ou mesmo do aeroporto.
Há também a opção de um passeio histórico e cultural de 2 dias a partir de Salvador e que pernoita uma noite em Cachoeira. O roteiro sai de Salvador e contempla um dia em visita a diversos monumentos no centro histórico de Cachoeira, e outro dia pela sua zona rural, incluindo São Francisco do Paraguaçu.
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